— Alô? É você, João? Ainda bem que atendeu. Ai, estava agoniada. Com a tua separação da Maria, veio a notícia… Um gesto desesperado. Graças a Deus que não… — Não, tia. Não me suicidei. — … — Mas estou morto.
Dalton Trevisan
País: Brasil
Tipo: Escritor(a)
Assustada, a velha pula da cadeira, se debruça na cama: — João. Fale comigo, João. Geme lá no fundo, abre o olhinho vazio: — Bruuuxa... diaaaba... — Ai, que alívio. Graças a Deus.
Para escrever o menor dos contos a vida inteira é curta.
Ele sai do banheiro, a toalha na cintura. — Pai, deixa eu ver o teu rabo... — Rabo, filha? Ah, sei. O bumbum do pai? — Seu bobo... Esse pendurado aí na frente.
Não fale, amor. Cada palavra, um beijo a menos.
O que não me contam, eu escuto atrás das portas.
— Tua professora ligou. De castigo, você. Beijando na boca os meninos. Que feio, meu filho. Não é assim que se faz. — ... — Menino beija menina. — Você é gozada, cara. — ... — Pensa que elas deixam?
Estou pra tudo. Pra morrer, pra matar. Certo?
De gênio muito ruim. Brabo e violento, qualquer bobagem bate na gente. Quebra tudo. De mim tira sangue. — Te mato de arrocho de goela. Cospe na minha cara. Afoga o pescoço. Me arrasta pelo cabelo. Não é que o puto pede perdão? Arrependido, me beija o pé. Assim a vida da gente.
Espião dos corações solitários. Um espião de bote armado, eis o contista.
O amor é como uma corruíra no jardim — de repente ela canta e muda toda a paisagem.
O amor é uma faca no coração. Cada dia se enterra mais fundo, que não deixe de sangrar.
— Assim é muito fácil. Ela te deixa por outro. Depois fica ligando só pra chorar. — Isso aí. — Diga não, ô cara. No teu ombro, não. Que se dane a maldita. — Sei, eu sei. Só que eu também tenho ligado pra ela e chorado.
Bilhete deixado sobre a tevê: Com esta faca que você me deu, hoje eu faço o que você queria. Vou de terno azul, assim você pediu, e a gravata preta. Ao encontro do teu primeiro marido, que você matou igual a mim. Não fique sossegada. Eu volto, querida. Para deixar você louca e te levar comigo. Você me odeia. Eu te amo. João.
O que não sei, adivinho e, com sorte, você adivinha sempre o que, cedo ou tarde, acaba acontecendo.